Renata Martins, com colaboração de Beatriz Evaristo (Agência do Ràdio Nacional)
Quarta-feira de cinzas de um fevereiro bissexto foi dia do anuncio do primeiro caso confirmado de infecção pelo novo coronavírus no Brasil. Um empresário de São Paulo que retornou de uma viagem à Itália. Sessenta dias depois daquele 26 de fevereiro, o vírus, que já tinha dado a volta ao mundo, percorreu o extenso “Brasil continental” de norte a sul.
Do paciente número um para mais de 60 mil confirmados de Covid-19 foram dois meses. O número de mortes já supera os 4 mil. Há registro de casos e óbitos em todos os estados brasileiros - independentemente se o clima é frio ou quente, seco ou úmido.
Quando Simone Gioia ouviu falar a primeira vez do coronavírus não fazia ideia que isso atingiria sua família. Não é possível identificar como o marido foi infectado, mas os primeiros sintomas apareceram depois de uma viagem Brasília – Rio de Janeiro.
"Achava que era um vírus distante, que quem pegaria era só quem saiu do Brasil... nunca imaginei que isso atingiria minha família, principalmente meu marido, que tem 54 anos".
Gilson Gioia está hospitalizado há mais de um mês; ficou na UTI durante três semanas. Sem poder encontrar o marido durante todo esse período e tendo que também fazer a quarenta, Simone alerta sobre os perigos da doença.
"Essa doença destrói a pessoa de tal forma que se não tiver o recurso, não aguenta. Meu marido é o primeiro paciente a ganhar alta na UTI em que ele ficou. Os outros pacientes que estavam lá, em situação grave como ele, vieram a óbito".
O novo coronavírus desafia a ciência mundial. Não há vacina, nem medicamento comprovado para o tratamento da Covid-19. Contudo, uma força-tarefa de pesquisadores está voltada para o combate da doença. A urgência diante da pandemia, que já matou mais de 200 mil pessoas no mundo, levou a mudanças de protocolo para acelerar a chegada à imunização. Se antes, das primeiras pesquisas até a liberação, uma vacina demorava de 10 a 15 anos, desta vez cientistas querem chegar ao produto final em menos de 2 anos.
Na USP (Universidade de São Paulo) está em curso o desenvolvimento de uma vacina. À frente do projeto, o diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, professor e pesquisador Jorge Kalil afirma que os estudos estão avançados. Daqui a uma ou duas semanas a vacina já será testada em animais. De acordo com Kalil, se não for tóxica e induzir a proteção em animais, o próximo passo será o teste em humanos.
"A primeira coisa é ver se a vacina não causa nenhum mal. Na segunda fase, a gente qual é a dose melhor, se tem que ter várias doses... Na terceira e última fase, a gente imuniza um grande número de pessoas e observa a comunidade para ver se a vacina efetivamente funciona. Normalmente, é uma fase muito demorada, por isso, nós estamos vendo se a gente consegue evitar essa fase três".
O médico Ciro Martins, do Comitê de Pesquisa de Covid-19 da Universidade de Brasília, destaca que instituições de pesquisas, hospitais públicos e privados brasileiros estão empenhados na geração rápida de evidências científicas. Ele destaca a busca por tratamento.
"Pesquisas que vão testar a eficácia e efetividade da cloroquina, da azitromicina e da imunoglobolina no tratamento de pacientes graves... estudos que visam observar como é a história natural da infecção com dosagem de anticorpos..."
Ciro também diz que diversas áreas de conhecimento estão realizando pesquisas no Brasil.
"Todas as áreas do conhecimento estão atuando, áreas como engenharia, design... nós temos muito pessoas auxiliando na construção de respiradores mais simples".
Para o doutor Jorge Kalil, em situações como esta de pandemia, fica ainda mais evidente a importância do investimento na ciência. O diretor do Laboratório de Imunologia do Incor explica que, no caso de um país desenvolver uma vacina, sua população será a primeira a ser imunizada.
"É muito bom que a gente tenha uma vacina nossa mesmo que ela surja seis meses ou um ano depois. O povo brasileiro tem que entender agora como é importante nós termos ciência e tecnologia no país para a gente responder rapidamente aos desafios que surgem. E nós temos gente no Brasil de excelente qualidade científica que pode fazer esse trabalho".
Sem um método para deter o novo coronavírus, nem leitos de UTI ou respiradores suficientes para pessoas em situação grave, esses dois meses foram também de mudanças nos hábitos da população brasileira: cidades mais desertas, álcool em gel mais procurado que arroz em supermercados, reuniões e encontros virtuais, solidariedade com quem não tem alimento, nem sabão, às vezes, nem água.
Essa pandemia, com tantas mortes em pequenos espaços de tempo, modificou também os rituais de despedida. Sepultamento de caixão lacrado, sem velório e com limite de pessoas para acompanhar o enterro. Enquanto perseguimos uma curva menos perigosa, essa estrada ainda nebulosa já subiu o morro, chegou às ruelas, às casas pequenas cheias de pessoas. Um grave problema que pode piorar nos meses que seguirão.