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“Deixei meu coração na Coreia do Norte e preciso voltar para buscar”, diz brasileiro convidado a visitar o país
Internacional
Publicado em 26/07/2019

O jovem de 20 anos é presidente do Centro de Estudos da Política Songun, dedicado a estudar a realidade da Coreia do Norte

Setembro de 2018, Pyongyang. Era dia de festa e coreanos comemoravam o 70º aniversário da República Popular Democrática da Coreia, popularmente conhecida como Coreia do Norte. O carioca Lucas Rubio, 20 anos, estudante de letras-russo, ocupava um lugar na arquibancada próximo a uma tribuna, de onde conseguia enxergar o Marechal Kim Jong-un. Quando o líder norte-coreano se aproximou para saudar o povo, Lucas aproveitou que se destacava na estatura e com aparência latino-americana para cumprimentar o político. 

A oportunidade para visitar o país surgiu a partir do Centro de Estudos da Política Songun (CEPS-BR), o qual Lucas é fundador e ocupa o cargo de presidente, desde 2016. “Tudo que é muito estranho me atrai. O que todo mundo critica eu fico na dúvida se é muito ruim mesmo. Comecei a estudar e vi que não é nada do que dizem ser. É um país muito pequeno e com poucos recursos, mas que mesmo assim decidiu seguir seu próprio caminho”, afirmou. 

Quando a Associação Norte-Coreana de Cientistas Políticos identificou o trabalho realizado no Brasil, de debates aprofundados sobre a realidade da Coreia do Norte, Lucas Rubio e o vice-presidente da CEPS-BR, Lenan Cunha, foram convidados a passar dez dias no país. 
Para chegar à capital norte-coreana, foi necessário embarcar em um trem na cidade de Pequim, na China. Após 25 horas de viagem, os jovens adentraram a

Coreia do Norte pelo interior do país, onde, segundo Lucas, viram grandes plantações, vilarejos e montanhas. Até que chegaram à Pyongyang, descrita pelo jovem como uma “cidade monumental”. 

“Como chegamos no final da tarde, estava bem movimentado com gente saindo do trabalho e da escola. É bem diferente de outras cidades grandes. É grande na estrutura, mas muito calma. Muitas pessoas, poucos carros e mais ônibus e metrôs com músicas tocando nos autofalantes”, descreveu o estudante. 

Durante o itinerário de viagem, Lucas Rubio percebeu que a maioria dos rapazes trajavam um tipo de uniforme militar, e reconheceu a roupa no próprio Kim Jong-un. Em um dos dias da viagem, a guia levou os turistas a uma loja norte-coreana. Foi lá que Rubio decidiu comprar a roupa e mostrar para a população local o interesse em aprender sobre a cultura do país. 

“Quando cheguei de fato lá, vi aquelas construções e monumentos que sempre vemos na mídia norte-coreana ou na televisão, foi uma sensação indescritível. Não parecia real que depois de tanto tempo eu tinha conseguido chegar lá”, revela o jovem que sempre sonhou em conhecer a nação.  

De volta ao Brasil, Lucas passou a consumir ainda mais produtos da cultura norte-coreana. O jovem escuta canções, assiste filmes e aprecia o teatro da Coreia. Para ele, estar lá “foi não só a confirmação do que imaginava, que é um país magnífico com uma história muito deturpada aqui fora, mas também foi um encontro de almas. Deixei parte do meu coração na Coreia e preciso voltar para pegar de volta”, desabafou. 

Refugiados norte-coreanos

O que o carioca Lucas Rubio defende é muito diferente do que se acredita em outras partes do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma organização, em parceria com a Coreia do Sul, chamada Liberdade na Coreia do Norte (LiNK) para refugiados norte-coreanos “capitalistas” conhecidos como geração “Jangmadang”. 

De acordo com o projeto, estima-se que 1 milhão de pessoas tenha morrido por conta da falta de alimentos, na crise de fome que o país enfrentou na década de 1990. A organização então lançou um documentário, no final de 2018, traçando relatos da sociedade, por meio de depoimentos dos jovens. 

Os norte-coreanos contam que precisaram ser criativos para sobreviver e fecharam negócios em mercados paralelos, sem o conhecimento do Estado. Esses jovens saíram do país por diferentes vias entre 2008 e 2013.

Em um dos depoimentos, Joo Yang relata que quando morava na Coreia do Norte, aos seis anos reparou que “muitas pessoas estavam morrendo de frio”. Yang começou a pensar em negócios clandestinos aos 14 anos. Ela já tinha visto uma fábrica de sementes de soja e começou a recolher os que caíam no chão para vendê-los. 

A jovem conta ainda que “quem não abraça a vida socialista é considerado sujo e corrupto”. 

Notícias norte-coreanas

Por ser um país fechado, a maioria das informações que se têm sobre a Coreia do Norte são divulgadas por outros países, como Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão. É o que explica Filipe Figueiredo, historiador do podcast Xadrez Verbal. 

Figueiredo esclarece que “não tem como obter ou checar informações a partir do local. Você não vai ter repórteres buscando e prospectando notícias, não tem dissidentes fazendo denúncias e nem uma verificação independente dos processos. Você vai ter, basicamente, a palavra do governo via a sua agência oficial de notícias, e isso sempre será acompanhado da propaganda positiva”, afirma. 

O historiador defende que essas informações “muitas vezes não são informações. São boatos, notícias plantadas, desinformação, propagandas ou meios de verificar o quão confidencial está o ambiente de uma agência de governo”. Ele exemplifica com a seguinte situação:

“Imagine que você tem dentro da comunidade de Inteligência da Coreia do Sul, cerca de 15 a 16 pessoas que têm acesso a um determinado grau de segredo, de sensibilidade das informações, e você desconfia que uma delas está vazando coisas para a imprensa. Então você dá um jeito de ir à mesa dessa pessoa e deixar cair um relatório de que ‘o tio do Kim Jong-un foi executado. Se essa informação aparecer na mídia sul-coreana, ela não precisa ser verdade, só precisa se confirmar se a pessoa é confiável”

Filipe Figueiredo afirma que as informações mais confiáveis sobre o Estado norte-coreano costumam surgir primeiro no Japão, uma vez que “há uma grande comunidade de coreanos, inclusive de dissidentes norte-coreanos dentro do país”. Além, também, de autoridades japonesas monitorarem a segurança e assuntos relativos à península coreana “por sua própria segurança”, completou. 

Passado

Até 1948, as Coreias eram uma só nação. Com registros de uma cultura milenar, existente há mais de cinco mil anos, a pátria foi ocupada diversas vezes ao longo da história. As mais recentes foram no final do século 19, por japoneses, durante a Guerra da Coreia, por tropas norte-americanas e da União Soviética. 

Quem comenta o assunto é o historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), Diego Grossi. Ele explica que durante a ocupação japonesa surgiram movimentos de resistência e guerrilhas liderados por Kim Il-sung, avô do atual líder de estado Kim Jong-un. Esses movimentos tiveram continuidade durante a Segunda Guerra Mundial e foram cruciais para definir o futuro do país. 

No conflito militar da década de 1940, os estadunidenses ocuparam o Sul da Coreia, enquanto a tropa soviética ocupou o Norte. Segundo Grossi, no fim da guerra, a URSS fez uma transferência de poder para os movimentos de resistência, enquanto os sul-coreanos tiveram a região ocupada pelos Estados Unidos.   

O historiador acredita que fatores como esse contribuíram para definir a ideologia a ser seguida pelas Coreias após a divisão. A partir desse momento, o Norte adota uma política socialista, enquanto o Sul se adequa ao capitalismo. “Em nenhum momento, a União soviética determina que a Coreia do Norte seria socialista. Isso acontece por conta de movimentos de guerrilha e resistência contra o Japão, que tinha décadas de luta ali, muito antes da própria guerra mundial estourar, teria esse alinhamento ideológico”, afirma Grossi. 

A República Democrática da Coreia do Norte adota um modelo estatal popular que seguia uma constante, à época, em países de terceiro mundo concentrados na América Latina, Ásia e África, por exemplo. Grossi acredita que entre as principais propostas políticas para consolidar o país norte-coreano estavam “direitos básicos trabalhistas, a reforma agrária, a nacionalização de algumas empresas estratégicas, antes nas mãos de potencias estrangeiras, a igualdade geral entre homens e mulheres”, explica. 

Presente

Atualmente, a Coreia do Norte mantém relações bilaterais com países como Índia, Paquistão e Angola. Porém, o maior índice de exportações norte-coreanas é da China, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU). 
O Brasil também não fica de fora nas negociações. De janeiro a junho, deste ano, de acordo com o Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o Brasil já exportou US$ 16,7 milhões em produtos para a Coreia do Norte. A celulose representa 56% da compra feita pelos norte-coreanos. Em segundo lugar estão farelos e resíduos de extração de soja, com 33%. 

Essa exportação não é realizada em certa constância, como explica Julio Rodriguez, especialista em relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). “Eles acabam optando por parceiros e parcerias bilaterais que envolvem muito dos seus interesses enquanto demandas especificas por produtos que, mais ou menos, em algum estágio podem ser transformados em outros”, afirma. 

Rodriguez argumenta ainda que “a Coreia do Norte, apesar de não ser um país totalmente aberto, tem uma política externa que tem a ver com seu posicionamento geográfico. Precisa lidar com todos os países no seu entorno”. 

Previsões para o futuro

No mês passado, Donald Trump visitou a Coreia do Norte. Ele foi o primeiro presidente norte-americano a pisar no país. Os dois chefes de estado vêm se encontrando para tentar um acordo. Para Julio Rodriguez, “o esforço do Trump em se aproximar da Coreia do Norte tem a ver com uma tentativa de regulação e normalização, o que de alguma forma tem se tornado viável, não pela semelhança das lideranças, mas principalmente pela diminuição das exigências do presidente norte-americano”, defende. 

Os ex-presidentes norte-americanos Bill Clinton e Barack Obama exigiam, em negociações, que a Coreia do Norte tivesse um amplo compromisso com a desnuclearização, congelassem testes nucleares e testes com mísseis balísticos. Além de submeterem a inspeções internacionais em seus principais sítios de produção de mísseis. Trump, porém, exige apenas a desnuclearização.

Rodriguez acredita que mesmo sendo o objetivo final do acordo, a desnuclearização da Coreia do Norte não vai acontecer. Para ele, “o objetivo das potências ocidentais é tentar fazer com que o regime se abra para outro tipo de diplomacia e consiga criar outros tipos de compromissos sérios e críveis com a Coreia do Norte”, alega. 

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