Comissão da OIT vai analisar se existe incompatibilidade entre a nova legislação de trabalho e a Convenção 98, que trata sobre negociação coletiva. Para Paulo Sérgio João, da PUC-SP, país não viola tratado internacional
Especialistas em Direto do Trabalho contestam argumentos que levaram à inclusão do Brasil em uma lista de 24 países, que serão analisados pela Comissão de Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante a conferência da organização, que ocorre em Genebra, na Suíça.
Para dois juristas ouvidos pela reportagem da Agência do Rádio Mais, houve motivação política de entidades sindicais na representação que levou à inserção do país na chamada ‘lista curta’ da OIT.
Responsável pela supervisão da aplicação dos tratados pelos países-membros, a comissão deve discutir, neste sábado (15), o caso brasileiro. Representantes do governo prestarão informações se existe desacordo entre parte da nova legislação trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, e a Convenção nº 98 da OIT, que trata sobre acordos coletivos e ratificada pelo Brasil.
Comitê de Peritos da OIT alega riscos na redução de direitos com a chamada prevalência do negociado sobre o legislado, por meio da negociação coletiva.
O especialista em Direito do Trabalho da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Paulo Sérgio João, rebate tal argumento. Para o jurista, a valorização da negociação coletiva não infringe direitos trabalhistas descritos no artigo 7º da Constituição Federal e, por isso, também não quebra nenhum acordo internacional.
“Não me ocorre, pela notícia que aparece, nenhum fato concreto, especificamente, de que o Brasil esteja incentivando o descumprimento de obrigações trabalhistas. E, também, não vejo contrariedade às próprias normas das convenções da OIT”, avalia João.
A ponderação do jurista é alinhada ao posicionamento do governo federal. O titular da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, Rogério Marinho, afirmou, em rede social, que a decisão de incluir o Brasil na lista “não tem fundamento legal e nem técnico”.
Para Marinho, não foi apresentada prova de redução de direitos ou violação à Convenção 98. E completou: “Está clara a politização do processo de escolha. É lamentável alguns sindicatos trabalharem contra o Brasil”.
João concorda com Marinho, ao apontar uma motivação política na inclusão do país na lista da OIT. Para ele, a atitude dos sindicatos é uma espécie de “protesto” pelo fim da contribuição sindical obrigatória. “Tenho a impressão de que há uma politização muito grande nessas denúncias. Há uma preocupação sindical de preservação do monopólio da contribuição sindical obrigatória”, ressalta.
A representação realizada contra o Brasil na OIT alega, ainda, que a aprovação da reforma trabalhista foi realizada sem discussões com a sociedade, sem transparência. Especialista em Direito do Trabalho, Luiz Carlos Robortella discorda. “Esses temas da reforma Trabalhista são discutidos há mais de 40 anos. Debates profundos, escreveram rios de tinta, milhares de páginas sobre esse assunto, milhares de congressos discutiram isso”.
Robortella suspeita que os sindicatos estão “usando” a OIT para criar uma crise política. “É claro que os sindicatos vão à OIT e, depois, se beneficiam do fato, de uma certa afinidade ideológica de alguns membros da OIT, para dar uma repercussão política, uma dimensão muito maior do que o fato tem”, completou.
Entidades contestam decisão da OIT
Em nota conjunta, as confederações empresariais (CNC, CNA,CNI, CNT, CNSaúde, CNseg e CONSIF) reforçaram que a nova legislação trabalhista modernizou as relações de trabalho e está alinhada à Convenção 98, ao estimular trabalhadores e empregados ao diálogo, concretizado por meio da valorização da negociação coletiva.
Para as entidades, a nova lei do trabalho trouxe balizas para negociação e é “clara” ao proibir que os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição – como FGTS, INSS, 13º salário, licença maternidade, normas de saúde e segurança, 30 dias de férias, adicional noturno, hora extra, salário mínimo – sejam “reduzidos ou suprimidos”.
Essa é a segunda vez que a OIT aprecia possível descumprimento brasileiro à Convenção 98. Em 2018, após análise, a organização não apontou violações.
Em entrevista à Agência do Rádio Mais, na época, o ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Almir Pazzianotto criticou a atuação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) – que entrou com representação na OIT contra o texto da reforma trabalhista, em 2017.
Pazzianotto afirmou que recorrer à organização “não vai trazer qualquer mudança legal” na leis trabalhistas. “Eu lhe pergunto: quantas vezes a OIT interferiu no Brasil e, com isso, conseguiu revogar alguma legislação? Nunca! O que a CUT deveria lembrar é que um dos principais documentos da OIT, que é a convenção 87 – sobre a liberdade de organização sindical, não foi ratificada pelo governo brasileiro e foi esquecida pelo PT durante todos os anos de governo. Simplesmente ignorou. Então, há uma mexida na área sindical, principalmente com relação à contribuição obrigatória, mas isso é assunto interno do Brasil. Não é assunto para ser levado à ONU ou à OIT”, questionou.
Pazzianotto disse ainda que, se houver violação de algum preceito constitucional por qualquer parte de alguns dos dispositivos da reforma Trabalhista, "esse problema deve ser levado ao Supremo Tribunal Federal". E completou: "o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai examinar se há algum conflito intertemporal, se alguma lei nova se indispõe com alguma lei antiga, se há choque de princípios”.
Por Cristiano Carlos e Alexandre Souza